quarta-feira, 3 de junho de 2015

Crescer com saúde e consciência

Há dias li o excerto de um livro (A enzima prodigiosa, de Hiromi Shinya) em que este médico falava da sua ida para os estados unidos e de como a sua mulher e filhos pequenos começaram a ficar muitas vezes doentes neste país. Depois de várias complicações de saúde e de alguma pesquisa da sua parte, ele concluiu que estas doenças se deviam a uma mudança na alimentação que passou a incluir muito mais lacticínios quando se mudaram para esse país. Hiromi Shinya conta também que quando  os retiraram completamente desapareceram a dermatite atópica da filha, a colite do filho mais novo e o lúpus que, entretanto tinha sido diagnosticado à sua mulher também regrediu muito. Depois disto ele explica que começou "a compreender como a dieta é essencial para a nossa saúde. Isto aconteceu há mais de cinquenta anos e desde então examinei estômagos e cólones e estudei a história alimentar de mais de 300 000 pacientes.
Dediquei toda a minha vida a entender o corpo humano, na saúde e na doença. (...). Apercebi-me de que os médicos e os pacientes devem dedicar mais tempo a compreender os mecanismos da saúde do que a combater as doenças.
Nascemos com o direito à saúde; estar saudável é natural."
Esta última frase deixou-me a pensar em algumas coisas. Por um lado pensei no meu filho que está quase a fazer 4 anos, prestes a terminar o seu primeiro ano de escola, nunca tomou um antibiótico, nunca passou mais de 36 horas com febre e, este ano - que foi o seu primeiro ano de escola - faltou apenas um dia por ter estado doente. Na última consulta com a pediatra antes da entrada na escola ela tinha-se despedido dizendo que, provavelmente, íamos ver-nos antes da consulta de rotina seguinte, visto que esta entrada costuma trazer sempre várias doenças. Quando lá voltámos, apenas para a consulta de rotina, para pesar e medir, ela ficou espantada com as poucas vezes que ele esteve doente este ano (teve febre 3 vezes, mas todas passaram em menos de 36 horas, sem medicação) e com o facto de nunca ter tomado antibiótico e até comentou que não haveria muitos que pudessem gabar-se disso. 
Não defendo que a saúde do meu filho se deva apenas ao facto de ser vegan, acho que se deve a um conjunto de factores. Acredito que o meu filho é uma criança saudável por não consumir carne, nem lacticinios, por exemplo, mas também porque não come açucar, não bebe refrigerantes, consome pouquíssimos produtos processados e come imensa fruta. Acredito também que o facto de ter mamado até aos 25 meses - altura em que ele próprio decidiu parar - deu umas boas reservas ao seu sistema imunitário. Haverá sem dúvida outros factores que não são de ignorar como, por exemplo, até os aspectos emocionais e a genética, se bem que, neste caso, a história familiar nem é totalmente favorável. 
Acredito que é verdade o que diz o Dr. Shynia, que nos habituamos a viver com a doença e nos esquecemos que, quando estamos demasiadas vezes doentes alguma coisa não está certa.  Na verdade a única altura em que o meu filho teve realmente uma saúde mais frágil foi quando começou a comer papas com leite (já contei aqui). Foi nessa altura que esteve um período de tempo sem crescer e que teve um peso tão baixo que já nem entrava nas tabelas de percentis. Quando olho para as fotografias dessa altura, vejo que ele realmente tinha um ar frágil. Também foi nessa altura que apanhou a única gastroenterite viral da vida dele e que teve também uns três ou quatro dias com uma urticária enorme em todo o corpo. Depois de decidirmos cortar com todos os lacticínios, foram precisos apenas seis meses para passar para o percentil cinquenta de altura e 25 de peso. Hoje em dia tem uma altura acima da média: estava no percentil 75 há uns meses e no 50 de peso. E até a pediatra, que não era muito a favor de uma alimentação estritamente vegetariana (apesar de sempre nos ter apoiado no não comer carne nem peixe), na primeira consulta depois dessa mudança, comentou que ele estava realmente com uma cor muito mais saudável. 
Então se o estar saudável é realmente natural, é importante percebermos que não é normal que as nossas crianças estejam repetidamente doentes e que, quando isto acontece, alguma coisa deve estar errada e acredito que o excesso de lacticínios, carne e açúcar que se consomem hoje em dia têm uma boa parte da responsabilidade nestes casos. 
Mas, enquanto pensava em escrever este artigo tomei consciência de que, existe também um outro lado desta questão: o lado que sente que ainda precisa de provar às outras pessoas que a nossa opção está certa, como se a saúde do meu filho fosse uma espécie de prova de que o veganismo é realmente uma opção saudável. A verdade é que para muitas pessoas essa dúvida ainda existe. Se já vai sendo relativamente fácil começar-se a aceitar que os adultos podem viver bem e com saúde sem nenhum produto de origem animal, quando falamos de crianças, existem ainda muitas pessoas que pensam que os produtos animais são imprescindíveis para o seu crescimento. Já ouvi todo o tipo de coisas absurdas em relação ao meu filho e todo o tipo de comentários que espelham também uma preocupação genuína. 

Então o facto de haver crianças que crescem e se desenvolvem com tanta saúde numa dieta vegan serve para comprovar de que afinal é possível vivermos sem carne, é possível vivemos sem explorar animais e, mais importante ainda, é possível viver com saúde sem consumir nenhum produto de origem animal. Afinal o meu filho, como outras crianças vegans que conheço pessoalmente e virtualmente (o mundo das redes sociais tem destas coisas) são mesmo a prova de que é possível viver bem, com saúde, sem nenhum produto de origem animal. Mas, acontece que o veganismo não é nenhuma receita infalível para não se ficar doente, não é nenhuma garantia de que vamos ter saúde eterna e, apesar de poder contribuir para melhorar muitas condições, não é nenhum medicamento infalível para curar tudo o que nos aparece. 
E as crianças vegans, tal como as outras, por vezes também ficam doentes. Acontece que, quando uma criança vegan fica doente, geralmente o dedo é imediatamente apontado ao veganismo. Quando o meu filho parou de crescer estava cada vez mais magrinho, por causa do leite, não faltou quem pusesse em causa o facto de não comer carne. Houve mesmo pessoas que me chegaram a dizer que, se experimentasse dar-lhe carne um mês ou dois ia ver logo a diferença! 

E também não faltaram pessoas a duvidar da qualidade do meu leite - que claro, sendo vegetariana há tantos anos, devia ter falta de vários nutrientes essenciais - e a sugerirem que o leite de vaca, na forma de suplemento, iria fazer milagres. 

A verdade é que existe toda uma construção social que nos leva a acreditar que a carne, o leite e os ovos são mesmo essenciais se não para os adultos, pelo menos, para as crianças. E noto que ainda existem muitas pessoas que ficam mesmo espantadas de saber que o meu filho cresce e se desenvolve tão bem sem precisar de nada disso. Então cada vez que alguma criança vegan ou vegetariana fica doente é como se as pessoas usassem esse facto para dar vida aos seus fantasmas, aos seus receios, às suas crenças. E a verdade é que estas crenças estão ainda muito enraizadas. A verdade é que vivemos numa sociedade onde comer carne e leite ainda são vistos como sendo fundamentais para a saúde. E a verdade é que estas crianças põem isso em causa. E, para muitas pessoas, isso incomoda. Incomoda tanto que ficam à espera de ver aparecer a primeira falha, o primeiro sinal de que aquelas crianças não podem estar a crescer bem, não podem ser saudáveis. E é como se uma parte delas ficasse quase de vigia, à espera de poder dizer: eu bem te avisei, eu sabia que isto ia acontecer,  ao primeiro problema que surgir.


Porque se esses problemas não surgirem elas perdem a justificação para todo o seu comportamento. Porque se uma criança pode crescer tão saudável sem produtos animais então como é que podemos afirmar que eles fazem falta, que são precisos e que a indústria animal é um mal necessário para a sobrevivência da espécie humana? Se uma criança vegan cresce e se desenvolve com toda a saúde a que tem direito como é que podemos continuar a dizer que os produtos animais nos fazem falta? Que o homem nasceu para comer carne? Que o leite é essencial para os ossos? E, se essas coisas afinal não fazem falta, então como é que podemos continuar a justificar os maus tratos de que somos cúmplices diariamente quando pomos um bife ou um iogurte na mesa dos nossos filhos que, afinal, até parece que podiam crescer bem sem eles?

Se a carne e o leite afinal não são indispensáveis é apenas uma questão de comodismo, de egoísmo e de incapacidade para agir de acordo com o que sabemos que é certo e não é fácil aceitar isso. A verdade às vezes dói. E uma criança que cresce saudável contra tudo aquilo em que acreditávamos e defendíamos é como uma agressão diária ao nosso comodismo, ao nosso egoísmo, à nossa incapacidade de lutar por um mundo melhor e mais justo. 


Resta-nos a alternativa de pensar que os animais não sofrem assim tanto, que até podem nem ser muito mal tratados. Mas até os cientistas já vieram dizer que isso é mentira, que os animais têm consciência e sentimentos, sim. E qualquer pessoa que tenha vivido com um cão ou um gato sabe que isto é verdade. E os cães e os gatos não são diferentes das vacas, dos porcos e das galinhas.


E as redes sociais também já não permitem que ignoremos os maus tratos a que todos eles estão sujeitos diariamente, por causa do nosso comodismo, do nosso egoísmo, da nossa incapacidade de agir e de tomar posições.


Então fico muito contente que o meu filho tenha orgulho em ser vegan e que fico muito contente que seja um exemplo de como se pode viver de acordo com os valores de respeito e de não agressão e ser-se bastante saudável. E fiquei muito contente quando, há poucos dias, uma auxiliar nova da escola dele me contou que, um dia ele foi ter com ela e lhe disse: Olá, eu sou vegan. E tu? O que é que comes? Porque fico muito contente que ele tenha orgulho de viver de acordo com os seus valores, que não sinta que precisa de o ocultar ou esconder apenas porque os outros ainda podem ter alguma dificuldade em compreender ou aceitar. 

3 comentários:

  1. Olá! Obrigada pelas tuas palavras. Inspiraste-me muito. Sou Vegan mas ainda não sou mãe. ;)

    ResponderEliminar
  2. grata. Sou mãe, ainda nao sou vegan...e minha filhota muito menos...temos toda uma familia carnivora, papá carnivoro...e que nao aceita que eu sequer nutra nossa filha de forma vegetariana ou vegan......é cansativo! e sinceramente não vejo como convence-lo...porque o resto da familia tinha de se aguentar á bomboca (desculpem a expressao). bem haja.

    ResponderEliminar
  3. Muito obrigada por todos os textos tão esclarecedores e inspiradores. Sou vegetariana há muitos anos e mãe de um menino de 5 anos também vegetariano, e que tem muito orgulho em sê-lo. No entanto sofre e revolta-se pelo facto da maioria das pessoas não o ser. Diz-me com frequência que quer ser o "chefe do Mundo" para ensinar as pessoas que não podem matar os animais e que o leite dos animais é para os animais bebés. Era tão bom que muitos adultos tivessem a consciência de certas crianças... Obrigada e por favor continue a escrever e a divulgar o seu conhecimento e a sua experiência!

    ResponderEliminar