terça-feira, 30 de setembro de 2014

Como tudo começou

Tornei-me vegetariana aos 19 anos sem pensar muito sobre o assunto. Porque simplesmente me deixou de parecer natural comer animais mortos. Durante quase 20 anos fui vegetariana e durante a maior parte desse tempo comprava ovos de galinhas criadas ao ar livre e iogurtes biológicos (leite e natas nunca comprei porque só usava de soja) acreditando nas imagens que nos vendem que mostram galinhas contentes a por ovos no campo e vacas felizes a darem leite como se isso fizesse parte da sua natureza.

Durante todo este tempo acreditei no que me vendiam e usava sapatos com pele de vaca porque pensava para comigo própria que as vacas eram mortas por causa da indústria da carne mesmo, por isso eu estava apenas a aproveitar aquilo que sobrava desse mercado. E, sempre que via uns sapatos ou umas botas de que gostava e a consciência me incomodava pensava que, de qualquer maneira, não tinha outra opção porque não havia outra escolha e precisava de andar calçada e também era importante usar alguma coisa que protegesse do frio e da chuva e, de qualquer maneira, ninguém matava as vacas só por causa da pele, elas já estavam mortas mesmo por causa da carne. E com estes pensamentos lá tentava anular a tal vozinha da minha consciência que me perguntava se as coisas seriam mesmo assim. E lá deixava que a essa voz da consciência se sobrepusesse a outra do desejo e da preguiça que queria ficar satisfeita com um par de sapatos bonitos encontrados já ali.

Quando o meu filho nasceu ainda acreditava na ideia que nos vendem de que o leite é essencial para o crescimento das crianças. E apesar de estar informada sobre os benefícios da amamentação e de o ter amamentado até ele próprio decidir parar ainda não tinha tomado consciência da incongruência de uma sociedade que reprova a amamentação de crianças mais crescidas mas encoraja que passem a beber leite de uma outra espécie. Até que o meu filho começou a comer papa. E como bons pais que éramos começámos a pôr-lhe uma colherzinha de leite em pó nas papas para que crescesse bem e com bons ossos. Biológico claro, porque as vacas dos pacotes de leite biológico têm um ar tão feliz e descansado. Acontece que a partir daí o meu filho começou a ter uma série de complicações de saúde: diarreias constantes com muco, barriga cada vez mais inchada, cada vez mais gases, refluxo, dores de barriga e, ele que nunca foi gordo, já nem sequer entrava nas tabelas dos percentis de tão magrinho que estava. E, apesar de sempre ter sido alto, houve um altura em que chegou mesmo a parar de crescer. Com tudo isto a médica apontava para doença celíaca. Mas, nós víamos que sempre que parávamos de lhe por leite na papa, as diarreias paravam.

Fizemos análises ao sangue que não revelaram nenhuma intolerância à lactose. Mas a verdade é que as diarreias com muco voltavam sempre que reintroduzíamos o leite. 
O meu marido já sabia que era intolerante aos lacticínios que já tinha deixado de consumir há algum tempo e, para nós, era cada vez mais claro que o nosso filho também o era. Assim comecei a pesquisar algumas coisas na internet sobre intolerância aos lacticínios. 
Uma das coisas que descobri foi que é relativamente comum que as análises não revelem a intolerância aos lacticínios, mesmo quando esta existe, porque a lactose no nosso organismo é transformada numa outra molécula e é essa que, muitas vezes, o corpo reage, mesmo que não reaja  à lactose propriamente dita. Este médico cardiologista explica isso, entre outras coisas importantes, neste video.

E atrás de umas coisas vieram outras. Lembro-me que ainda me foi difícil deixar de acreditar no mito do cálcio no leite de vaca que nos querem fazer querer que é tão essencial. Tinha medo de estar a privar o meu filho de algo que fosse realmente importante para a sua saúde. E era difícil calar essas vozes que diziam que o leite é essencial para as crianças. Mas quando comecei a ver que os dados eram inquestionáveis e que o leite que é essencial para o crescimento das crianças é o leite da sua própria espécie e não de uma outra com requisitos e necessidades nutricionais totalmente diferentes, então outras portas se abriram.

E a partir daí lembro-me que comecei a ver muitos vídeos na internet sobre a forma como as vacas são repetidamente violadas, para engravidarem e como lhes retiram os filhotes para que possam continuar a dar leite. Até essa altura acho que simplesmente pensava que as vacas davam leite porque sim. Porque era natural darem leite, como se a natureza as tivesse criado apenas para a nossa comodidade. E nunca me tinha perguntado o que é que era preciso para que continuassem a dar leite. 
Nessa altura, por acaso, estava também a ler a Cabana do Pai Tomás, um livro sobre a escravatura. E tornou-se tão claro que a forma como os escravos eram vistos e tratados é exactamente a forma como vemos os animais hoje em dia. Alguns donos de escravos até eram bonzinhos, até os tratavam bem, até lhes davam muita comida e um sítio não muito mau para dormir. Mas não deixavam de ser escravos. Nem todos pensavam que eram maus ou indignos, mas todos, quase todos sem excepção, os viam como uma raça inferior. Não sentiam o mesmo que nós, não pensavam como nós. Inclusivamente acreditava-se nessa altura que as mulheres escravas nem sofriam por aí além quando lhes tiravam os filhos. Porque estavam preparadas para isso. Porque não eram como as brancas. Exactamente o mesmo que nós pensamos dos animais hoje em dia. 
E lembro-me que, nesta altura, lia o livro, via vídeos na internet e chorava cada vez mais com esta tomada de consciência. E ainda tinha pesadelos à noite com vacas a sofrerem. Tocou-me especialmente o sofrimento das vacas porque tinha sido mãe há relativamente pouco tempo e por isso houve uma maior identificação com essa realidade.

E a partir daí decidi que não havia nada que me pudesse fazer voltar a ser cúmplice dessa indústria. E que queria educar o meu filho de forma a que ele percebesse que não temos o direito de nos sentir donos dos animais. Que não temos o direito de colocar os nossos gostos, preferências, comodidades e egoísmos à frente da vida de outros seres.

Hoje em dia, quando olho para trás, sinto-me como se tivesse saído de uma espécie de seita. Porque deixei de acreditar em tudo o que me foi dito, em tudo o que me foi incutido. Porque tive de reformular uma boa parte da minha visão do mundo e da vida. Porque tive de que deixar de fazer simplesmente o que todos faziam e tive que procurar soluções e alternativas que nem sempre são óbvias.

E, quando saímos de uma seita podemos sentir-nos um pouco sozinhos quando não encontramos outros que pensem como nós. Por isso mesmo resolvi criar este blog. Porque acredito no poder da internet para divulgar conhecimento e experiências e, porque, quando queremos deixar o caminho que é percorrido pela maioria, ajuda muito conhecermos a experiência de alguém que o fez antes de nós. Assim, esta é a minha partilha, a minha colaboração para tentar fazer deste um mundo verdadeiramente melhor para o meu filho e para todos os outros que nele habitam. 

9 comentários:

  1. Uma excelente mãe, pelo que vejo! Os meus Parabéns e felicidades para todos aí em casa! Adorei! :)

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  2. Laura, parabéns pela iniciativa! Obrigada pelo desabafo (e pelo link também). Bjs

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  3. Excelente! Obrigada por ter criado este blog!
    Eu própria tenho respondido imensas vezes a essa questão: "Como vais educar os teus filhos?"
    Espero ter essa sorte um dia.. a de ter filhos. E ter essa presença de espirito de os educar sob as minhas "crenças" veganas e conseguir transmitir essa consciência de respeito por todas as formas de vida.
    Continuarei a lê-la, ansiosa pela próxima publicação.

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  4. parabéns pela iniciativa de Partilhar.... acredite que vai ajudar muita gente....

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  5. Obrigada Laura por ter iniciado este blog. Só me cruzei com ele hoje mas vou decerto começar a seguir. Que palavras tão bem escolhidas, que paz e tranquilidade. Tambem me tornei vegetariana aos 19, depois de anos a evitar carne e peixe (tinha vezes q comia um bocadinho a cada 2 meses), resolvi deixar de vez isso.. Pouco ou nada sabia acerca de nutrição, apenas queria me deixar de sentir culpada e deixar de sentir nojo qd comia. Passado 17 anos encontro-me não sei bem em que regime, evito bastante os lacteos e ovos... Faço a minha propria manteiga vegan, bebo "leite" alternativo... os meus produtos em casa são todos vegan, roupa tb... mas por vezes acabo por comer algo não vegan... acontece mais qd estou fora de casa onde tenho menos controlo. Não sei se algum dia irei virar mm vegan, o certo é que me encontro cada dia mais próxima disso e nunca me senti tão bem e feliz! Tenho um marido omnívoro mas que aceita bem quase todos os meus cozinhados e uma filha que por agora come por vezes carne e peixe (apesar de não ser todos os dias) e é mais por pressão social e pq aqui em casa o pai tb come, fica mais complicado assim para mim. Vamos ver no q isto dá :) E... já falei demasiado de mim, queria só agradecer-lhe este blogue que irei seguir. Bem-haja! :D
    Filipa

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